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As redes sociais e a vedação de publicidade institucional no período crítico

Por Jonathas Campos Palmeira *

 

Verdadeiro instrumento do exercício da cidadania, o processo eleitoral é norteado por regras que devem ser observadas por todos participantes, isto é, eleitores, partidos políticos, imprensa e candidatos.

Com a finalidade de prestigiar a lisura e equilíbrio da disputa, os protagonistas da grande festa da democracia são detentores de garantias, direitos e deveres durante todo o processo e até mesmo no período que o antecede.

E em se tratando de candidato já detentor de mandato eletivo, o cuidado deve ser redobrado, principalmente no que diz respeito à prática de atos que possam configurar abuso do poder político no denominado período crítico imposto aos agentes públicos, ou seja, nos 3 (três) meses que antecedem às eleições.

Apesar da grande repercussão causada, o novo código eleitoral não foi votado pelo Senado Federal a tempo de ser aplicado já nas eleições de 2022. Assim, observando a ainda vigente lei das eleições (lei n. 9504/97), os agentes políticos que pretenderem disputar o próximo pleito precisam estar atentos ao extenso rol de condutas vedadas durante o ano e o período eleitoral.

As vedações estão previstas nos artigos 73 a 78 da lei 9504/97 e têm o intuito de preservar a igualdade de oportunidades entre os candidatos nas eleições, evitando, com isso, o uso da máquina pública por parte dos titulares de mandato eletivo em prol de candidaturas, coligações e partidos.

Importante o registro, nos termos da legislação vigente, considera-se agente público “quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional” (art. 73, §1º, lei 9504/97).

As consequências da prática de conduta vedada são graves e podem refletir até mesmo na cassação do registro ou do diploma, sem prejuízo da responsabilização do candidato por ato de improbidade administrativa em ação autônoma.

Diante da importância do uso das redes sociais na disputa eleitoral, dentre tantas outras previstas, merece destaque e cuidado redobrado a vedação contida no art. 73, inc. VI, “b”, lei 9.504/97, que trata da publicidade institucional nos três meses que antecedem o pleito.

Conforme dispõe o referido dispositivo legal, ao agente público é proibida a divulgação dos “atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta”.

No denominado período crítico, a lei excetua a propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado e, nos demais casos, apenas e tão somente se demonstrada urgente e grave necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral.

Tirante as exceções mencionadas, prevalece o entendimento de que, independente da finalidade eleitoreira, toda e qualquer divulgação ou publicidade institucional de realizações da administração pública no período crítico prejudica a lisura do pleito e, por isso mesmo, configura ilícito eleitoral.

O grande perigo reside na falsa ideia de que o perfil pessoal do candidato nas redes sociais, por refletir liberdade de expressão, não é alcançado pela vedação da divulgação dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos.

A liberdade de expressão de fato se apresenta como importante garantia dos candidatos e, via de regra, permite a manifestação pública sobre determinado assunto na imprensa, internet ou em reunião com determinado grupo de pessoas (religiosos ou de determinada categoria profissional), antes mesmo de iniciado o período de campanha, sem que tal prática implique algum ilícito eleitoral.

Acontece que a garantia da liberdade de expressão não pode servir de mecanismo para burlar regras que visam garantir a lisura do processo eleitoral, tampouco de escudo para desvirtuamento da impessoalidade exigida pela Constituição Federal na divulgação e publicidade institucional (art. 37, §1º, CF).

Em recente decisão proferida pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, o atual prefeito de São Bernardo do Campo, então candidato à reeleição nas eleições de 2020, acabou condenado pela prática de conduta vedada porque, durante os três meses que antecederam o pleito, divulgou atos institucionais em seu perfil pessoal do facebook.

O candidato se defendeu afirmando que as publicações em seu perfil pessoal refletem exercício da liberdade de expressão e, portanto, não infringem a previsão contida no art. 73, inc. VI, “b”, da lei das eleições. Todavia, para o TRE-SP, “ao divulgar, em página pessoal em rede social, atos institucionais no período vedado, o agente desborda dos limites da licitude e merece ser sancionado”.

Apesar de considerar reprovável a conduta, entendeu o Tribunal que, no caso vertente, a divulgação de atos institucionais no perfil do mandatário candidato não alcançou gravidade suficiente a justificar a cassação do diploma, mas sim a aplicação de multa no patamar de 5.000 UFIR2.

No mesmo sentido, destaca-se o seguinte julgado do TRE-SP:

RECURSO ELEITORAL – ELEIÇÕES 2020 – Ação de Investigação Judicial Eleitoral – abuso de poder político e conduta vedada a agentes públicos – Prefeito candidato à reeleição – Pintura de bens públicos com as cores do partido do prefeito – Inocorrência – Divulgação, em perfil pessoal no Facebook, de conquistas e realizações da Prefeitura Municipal – Realização de postagens com conteúdo de prestação de contas do trabalho realizado, naquele momento, pela prefeitura, o que não se admite, por vincular, em período vedado, o trabalho realizado pelo prefeito à figura do candidato – Violação do disposto no artigo 73, VI, b, da Lei nº 9.504/97 – Abuso de poder não configurado – Apesar da efetiva realização de publicidade institucional em período vedado, não se vislumbra, aqui, violação dos princípios da impessoalidade ou da moralidade, pois o recorrido noticia, nas publicações, as realizações da prefeitura, sem, no entanto, colocar–se, de forma personalista, como agente realizador ou único responsável pelos feitos da Administração – Ausência de dispêndio de dinheiro público – Ausência de gravidade suficiente, no caso, para configurar o abuso de poder, em qualquer de suas modalidades – Precedentes do C. TSE e desta C. Corte – Não restou demonstrado qualquer envolvimento do candidato a vice–prefeito, ou mesmo seu prévio conhecimento – Multa fixada em R$ 15.000,00, ao recorrido Antônio Carlos Ribeiro de Souza – Mantida a improcedência da ação em relação ao recorrido Osvaldo Mantelli – Sentença reformada – Recurso parcialmente provido.

Como se vê, a finalidade da norma é impedir a influência dos eleitores com a divulgação de realizações da administração pública que valorizem determinada gestão e, consequentemente, o trabalho desenvolvido pelo mandatário candidato à reeleição.

Nessa linha de pensamento, no que diz respeito à vedação prevista no art. 73, inc. VII, “b”, da lei 9.504/97, nos três meses que antecedem o pleito (período crítico), é preciso que os mandatários (em especial de cargos do Poder Executivo) e os agentes públicos de um modo geral tenham cuidado redobrado com suas redes sociais, evitando postagens relacionadas a atos, programas, obras, serviços e campanhas da administração pública, mesmo que destituídas de viés eleitoral.

 

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* JONATHAS CAMPOS PALMEIRA: advogado; especialista em direito e processo eleitoral pela EJEP (TRE-SP); membro da comissão de direito eleitoral da 17ª Subseção da OAB/SP.

E-mail para contato: jprpalmeira@hotmail.com