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ARTIGO: O novo modelo de financiamento de campanha

Por Jonathas Campos Palmeira *

 

O financiamento das campanhas eleitorais é um tema que sempre desperta discussão, mormente quando se tem por objetivo analisar a origem dos recursos e o montante que se gasta. Mesmo com as recentes e significativas mudanças na legislação é forçoso reconhecer que o Brasil ainda não encontrou um modelo ideal para o financiamento das campanhas eleitorais, se é que ele de fato existe.

Se por um lado a permissão de doação de recursos por pessoa jurídica facilita a corrupção, há quem diga que o emprego de vultosa quantia de dinheiro público na corrida eleitoral beira a imoralidade, sobretudo diante de tantas outras prioridades existentes no país, como, por exemplo, saúde, educação, segurança e saneamento básico.

Tradicionalmente, o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil era na ampla maioria privado, concentrando-se em doações generosas de empresas dos mais variados ramos de atividade que, via de regra, mantinham negócios com entes públicos ou com eles pretendiam negociar. A campanha eleitoral traduzia-se em verdadeiro jogo de cartas marcadas, regido por grandes empresários que tornavam vencedor o candidato que se dispusesse a atender seus interesses quando eleito.

O estudo se revela relevante na medida em que o financiamento das campanhas eleitorais possui papel extremamente importante à garantia da lisura do processo eleitoral, especialmente em relação à igualdade de condições aos candidatos na disputa do pleito.

A denominada operação lava jato, deflagrada pela Polícia Federal e processada pela Justiça Federal de Curitiba, foi responsável por desvendar escandaloso esquema de corrupção no país diretamente ligado ao financiamento de campanha eleitoral. Em decorrência do referido escândalo de corrupção, as doações por pessoas jurídicas passaram a ser proibidas, tendo sido criado através da lei 13.487/17 o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFEC).

Com o atual modelo de financiamento de campanha, resta avaliar se os problemas de outrora serão resolvidos, pois, ao que tudo indica, os caciques dos partidos ainda serão os mais beneficiados, já que a distribuição dos recursos públicos fica a critério do próprio Partido Político.

O FINANCIAMENTO E GASTOS DAS CAMPANHAS ELEITORAIS

O processo eleitoral é instrumento que reúne uma gama de regras, judiciais e administrativas, destinadas a garantir a lisura e o equilíbrio da corrida eleitoral. Dentre as mais variadas regras existentes, aquelas ligadas ao financiamento de campanha ganham destaque, já que em última análise visam evitar o abuso do poder econômico, verdadeiro vilão da igualdade de condições entre os candidatos.

Eventos da história recente demonstram que o financiamento de campanha no Brasil esteve por muitos anos intimamente ligado a práticas de corrupção. Tirante questões processuais de menos importância ao presente artigo, a operação Lava Jato descortinou esquema engenhoso de corrupção que garantia a grandes empresários contratos milionários com empresas públicas – em especial a Petrobras – em troca de doações generosas às campanhas eleitorais de políticos.

A maior operação de combate à corrupção já deflagrada no país gerou grande revolta na sociedade e exigiu do Poder Público uma pronta resposta, não apenas relacionada à punição dos envolvidos, mas, principalmente, com adoção de medidas voltadas à prevenção de esquemas parecidos.

Diante desse cenário, em 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.650) perante o Supremo Tribunal Federal, com a finalidade de proibir doações de pessoas jurídicas. Por 8 votos a 3, a Suprema Corte, vislumbrando inconstitucionalidade nos artigos 31, 38 e 39 da lei 9.096/95, julgou procedente a ação e proibiu a doação eleitoral por pessoas jurídicas.

Com a exclusão das pessoas jurídicas da lista de fontes de arrecadação permitidas, o Congresso Nacional se mobilizou para aprovar a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), mantido com recursos do tesouro nacional, o que ocorreu através da lei. 13.487/2017. Conforme veremos adiante, apesar do sistema misto adotado, a campanha eleitoral no Brasil passou a ser financiada em sua grande parte por recursos públicos.

MODELOS DE FINANCIAMENTO

FINANCIAMENTO PRIVADO – Pode-se dizer que o financiamento privado das campanhas eleitorais e dos partidos políticos é o modelo mais antigo, pois, desde o início, não se pode negar a ocorrência de contribuições feitas pelo próprio candidato e dos poucos eleitores habilitados à época, pessoas economicamente favorecidas, por intermédio de jantares e reuniões oferecidas ao candidato de preferência.

O financiamento privado pode ser divido em contribuições de filiados ao partido político, doações de pessoas físicas ou jurídicas e, ainda, utilização de recursos do próprio candidato.

A proposta do financiamento privado é atrair maior comprometimento do doador às ideologias partidárias e plataforma de trabalho dos candidatos. O eleitor que se propõe a investir financeiramente em determinado partido ou candidato tende a exercer maior controle de fiscalização em relação aos trabalhos realizados (RUBIO, 2005). Nessa mesma linha de raciocínio, pontua Cavalcante:

“A principal característica que esse tipo de financiamento nos coloca diz respeito à relação entre os doadores e os destinatários desses recursos. Richard Katz e Peter Mair destacam a ação dos financiadores privados de campanhas eleitorais como agentes de pressão sobre os partidos e candidatos.” (Cavalcante, 2011)

A grande vantagem do financiamento privado está na liberdade de escolha do cidadão de apoiar, com suas finanças, o partido e candidato que melhor representam seus ideais. Os partidos teriam de rever suas políticas internas de modo a fortalecer suas bases em busca de mais adeptos aos ideais e programas delineados.

Todavia, no Brasil, ao invés de fortalecer os partidos aproximando-os dos seus filiados, tal forma de financiamento acabou por criar um mecanismo de corrupção voltado à perpetuação de um e outro partido no poder. Sem qualquer vinculação ideológica, grandes empresas interessadas em manter negócios com o Estado passaram a financiar campanhas milionárias dos principais partidos, tornando a disputa eleitoral em verdadeiro “jogo de cartas marcadas”.

FINANCIAMENTO PÚBLICO – De início, importante destacar que o financiamento público privilegia a paridade na disputa eleitoral e permite maior controle do abuso do poder econômico. Os defensores de tal corrente também afirmam que o financiamento exclusivamente público evita doações privadas vultuosas com interesses escusos em determinado partido ou candidato.

Em outras palavras, com o financiamento público, o partido e/ou candidato eleito não ficariam reféns aos interesses daqueles que financiaram em grande parte a campanha eleitoral. Além disso, as finanças do partido seriam mais transparentes e se sujeitariam a um controle mais rigoroso do Estado.

O ponto fraco do financiamento público das campanhas eleitorais é a utilização de vultosa quantia do dinheiro público em detrimento de investimentos tidos como mais importantes à sociedade, como, por exemplo, saúde, segurança e educação.

O financiamento público admite as formas diretas e indiretas. As formas diretas hoje existentes são o fundo partidário e o fundo especial de financiamento de campanha; já as formas indiretas são os incentivos concedidos pelo Estado aos partidos e candidatos, tais como a cessão de espaços públicos para reuniões, espaço gratuito no rádio e na televisão para divulgação das propostas de campanha e imunidades tributárias aos partidos políticos.

FINANCIAMENTO MISTO – O modelo misto de financiamento, como o próprio nome induz, encerra um meio termo. Permite que parte da arrecadação seja de fonte privada e parte de fonte pública.

Apesar da revolta que gira em torno da sociedade em relação aos gastos de campanha, não há fórmula mágica. O espaço territorial do país não permite campanhas eleitorais sem custo algum.

E se de um lado o financiamento exclusivamente privado favorece a corrupção, não há como transferir aos cofres públicos o custo integral das campanhas eleitorais, até mesmo porque, em certa medida, tal modelo desestimula o engajamento do eleitor no processo eleitoral e beira à imoralidade diante dos falidos sistemas de educação e saúde praticados no país.

Já dito antes, assim como em diversos países, o Brasil adota o modelo misto de financiamento de campanha eleitoral. Permite, como fontes de arrecadação privada, a utilização de recursos próprios do candidato, doações de pessoas físicas, comercialização de bens ou realização de eventos e financiamento coletivo. Como fontes de arrecadação pública, criou o Fundo Partidário e o Fundo especial de financiamento de campanha, além de fontes indiretas como horários gratuitos no rádio e na televisão.

ARRECADAÇÃO DE RECURSOS DE CAMPANHA

RECURSOS PRÓPRIOS – A lei autoriza que o próprio candidato aplique recursos financeiros em sua campanha. É o que se denomina de autofinanciamento de campanha.

Até as eleições de 2016 não havia limites para o autofinanciamento de campanha, situação que, a nosso ver, permitia certo desequilíbrio na disputa eleitoral, na medida em que candidatos milionários investiam grandes cifras em suas campanhas sem que houvesse qualquer ilegalidade nisso. A bem da verdade, o único limite existente era equivalente ao total de gasto permitido ao cargo pretendido.

A lei 13.488 de 6 de outubro de 2017 revogou o dispositivo legal que permitia o autofinanciamento acima do limite de 10% do rendimento bruto declarado no Imposto de renda do exercício imediatamente anterior às eleições. Todavia, à época da tramitação do projeto de lei, o Presidente da República vetou o dispositivo que impunha tal limitação, retornando o limite ao total de gastos para o cargo pretendido.

Houve rejeição do veto Presidencial pelo Congresso Nacional e a lei 13.488/2017 restou republicada em 18/12/2017, isto é, menos de um ano antes do pleito, razão pela qual o limite do autofinanciamento ao teto de gastos do cargo pretendido foi mantido para as eleições de 2018.

Até então o autofinanciamento nas eleições de 2020 obedeceria o limite de 10% dos rendimentos declarados pelo candidato no ano anterior à receita federal, tal como previsto 13.488/2017. Todavia, em 3 de outubro de 2019 foi publicada a lei 13.878/2019, que incluiu o §2º-A ao art. 23 da lei 9.504/97, determinando como limite para o autofinanciamento o percentual de 10% sobre o total de gastos permitidos para o cargo pretendido.

Em outras palavras, ao contrário do eleitor doador, o próprio candidato pode doar até 10% do limite de gastos permitidos para o cargo em disputa, o que, a nosso ver, revelasse mais consentâneo à igualdade de condições no pleito eleitoral, vez que a base de cálculo é a mesma para todos concorrentes.

O candidato também pode utilizar bens próprios em sua campanha, desde que eles estejam declarados à receita no ano anterior às eleições. Outra particularidade relacionada ao autofinanciamento é a possibilidade de empréstimo pelo candidato. Neste ponto, convém destacar as palavras de Marcos Ramayana:

“O empréstimo obtido pelo candidato deve ser considerado um tipo de recurso próprio e que se sujeita aos limites legais, pois caso contrário se poderia burlar o limite máximo de doação de pessoa física. No caso de empréstimos pessoais a Justiça Eleitoral deve ter toda a cautela na análise da contratação. Nesse rumo, o art. 15 da Resolução TSE n. 23.463/2015 confere a possibilidade de comprovação do pagamento do aludido empréstimo contraído, bem como a origem do recurso que serviu para quitação.” (Ramayana, 2019, p. 594)

Por fim, desde que haja deliberação nesse sentido, os partidos políticos serão responsáveis pelos gastos assumidos por seus candidatos durante a campanha. É o que dispõe expressamente o art. 23, § 3º, da lei 9.504/1997.

DOAÇÕES DE PESSOAS FÍSICAS – Nos termos do art. 23 da lei 9.504/97 é permitida a doação de pessoa física às campanhas eleitorais, desde que observado o limite de 10% sobre os rendimentos brutos informados à receita federal no ano anterior às eleições.

O limite fixado pela lei se refere ao valor total de doação e não por candidato. Assim, o eleitor que tenha declarado R$ 100.000,00 (cem mil reais) de rendimentos brutos no ano anterior, poderá doar, no máximo, R$ 10.000,00 (dez mil reais) às campanhas eleitorais, o que abrange todas doações realizadas a candidatos.

As doações somente podem ser realizadas na conta bancária de campanha do candidato, através de depósito identificado, transferência bancária, cheque cruzado ou nominal e, ainda, mecanismo eletrônico no site do candidato, partido ou coligação que permita utilização de cartão de crédito, desde que o doador seja identificado e haja emissão de recibo eleitoral.

A pessoa física também pode realizar doações estimáveis em dinheiro, tais como a permissão de uso de móveis e imóveis por candidato em sua campanha. Nos termos da lei 9.504/97, artigo 23, §§ 2º e 7º, as doações estimáveis em dinheiro exigem a emissão de recibo pelo doador e possuem limite de até R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

Há previsão de multa ao doador que não observar os limites legais, cuja fiscalização será feita anualmente pelo Tribunal Superior Eleitoral, pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e pelo Ministério Público Eleitoral. O art. 23, §3º, da lei 9.504/97, determina multa de 100% sobre o valor doado em excesso.

DOAÇÕES DE PARTIDOS POLÍTICOS E OUTROS CANDIDATOS – Os partidos políticos podem fazer doações aos seus candidatos, desde que observada, na prestação de contas de ambos (partido e candidato), as exigências contidas no art. 28, §12º da lei 9.504/97. Segundo referido dispositivo legal, “os valores transferidos pelos partidos políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas dos candidatos como transferência dos partidos e, na prestação de contas anual dos partidos, como transferência aos candidatos”.

Antes da lei 13.877/2019, que alterou o art. 28, §12, da lei n. 9.504/97, no momento da prestação de contas do partido, vedava-se, de maneira expressa, a individualização dos doadores, situação que criava a denominada doação oculta. Nos dizeres de Ramayana:

A doação oculta camufla de forma lesiva o sistema de financiamento de campanha eleitoral, até porque impede a leitura das doações vedadas (art. 24 e incisos da lei n. 9504/97), ou seja, os recursos apontados como ilícitos devem ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), sendo ainda possivel a declaração de irregularidade insanável das contas de campanha e da constatação da captação ilicita de recursos, permitindo a propositura da ação judicial eleitoral do art. 30-A da lei n. 9.504/97. Por fim, o eleitor não saberia quem foi o doador da campanha eleitoral que subsidiou o mandatário eleito em determinada eleição.” (Ramayama, 2019, p. 595-596)

É comum a doação de materiais de campanha entre candidatos, especialmente quando há “dobradinha” para cargos proporcionais diferentes, como, por exemplo, deputado estadual e federal, ou, ainda, entre candidatos a cargo executivo e proporcional.

Os gastos entre candidatos são considerados doações estimáveis em dinheiro e deverão constar na prestação de contas do candidato responsavel pelo pagamento da despesa.

COMERCIALIZAÇÃO DE BENS OU REALIZAÇÃO DE EVENTOS – Os candidatos ou partidos políticos podem realizar eventos públicos em locais abertos, destinados à arrecadação de recursos para a campanha eleitoral. Também é permitida a comercialização de bens com o mesmo fim.

O art. 30 da resolução TSE 23.607/2019 dispõe que a Justiça Eleitoral deverá ser comunicada sobre a realização de evento e/ou comercialização de bens com a finalidade de arrecadar recursos para a campanha. Os recursos arrecadados devem ser depositados na conta bancária do candidato ou do partido, seguindo as rígidas regras que norteiam as doações de campanha, aqui inseridas a identificação dos doadores e a emissão de recibos eleitorais.

Os doadores deverão ser advertidos sobre o limite de doação e da multa prevista para o caso de desrespeito ao limite fixado em lei. Ciente da realização de evento dessa natureza, a Justiça Eleitoral poderá nomear servidores para fiscalizá-lo, devendo o partido ou candidato responsável pelo evento disponibilizar documentação idônea relacionada às despesas e receitas deste.

Apesar de ser legalmente permitido, não é habitual a realização de eventos por partidos politicos e candidatos com a finalidade de arrecadação de recursos, mas é perfeitamente admissivel a realização de rifas, bingos recreativos e até mesmo venda de ingressos em palestras realizadas pelo partido para angariar recursos.

FINANCIAMENTO COLETIVO (VAQUINHA ELETRÔNICA) – Nos termos do art. 23, §4º, inc. IV, da lei das eleições, é permitida arrecadação de recursos por meio de técnicas e serviços de financiamento coletivo na internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

Para a validade de tal arrecadação, exige a lei a observância de alguns requisitos, que podem ser assim enumerados: I) cadastro da empresa responsável pela criação da técnica de arrecadação coletiva junto à Justiça Eleitoral; II) identificação dos doadores e das quantias doadas; III) emissão de recibos aos doadores; IV) divulgação das taxas administrativas cobradas pelo serviço de arrecadação coletiva; V) proibição de doação por pessoas proibidas de doar; VI) observância às regras relacionadas à pré-campanha e propaganda eleitoral na internet.

Nas palavras de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves:

“A modalidade mencionada é outra inovação da reforma eleitoral de 2017, a possibilidade de vaquinhas, também conhecidas pela menos feliz palavra inglesa crowdfunding. São arrecadações efetuadas por meio de instituições que promovem técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios na Internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares, art. 23, §4º, IV, da lei 9.504/97.” (Gonçalves, 2018, p. 198)

A denominada “vaquinha eletrônica” é a única fonte de arrecadação que a lei permite que seja implementada antes mesmo do registro da candidatura. Nos termos do art. 22-A, §3º, lei 13.488/17, tal modalidade de arrecadação pode ser iniciada a partir do dia 15 do mês de maio do ano eleitoral, isto é, na pré-campanha.

Sabe-se que na pré-campanha não é permitido a quem pretenda disputar cargo eletivo fazer pedido explicito de voto. Porém, nos termos do art. 36-A da lei das eleições, não configura campanha antecipada, dentre outras hipóteses elencadas, a criação de site na internet destinado ao recebimento de doações coletivas visando às eleições, desde que não haja pedido de voto.

A adoção de tal modalidade de arrecadação na fase de pré-campanha traz inúmeras vantagens ao pretenso candidato. Em um primeiro momento, serve de verdadeiro termômetro do que se espera das urnas, pois não se cogita a ideia do eleitor fazer doação em favor de quem não pretende votar; além disso, permite a imediata realização de gastos dos valores arrecadados, tão logo sejam transferidos à conta bancária de campanha.

Importante destacar a regra contida no art. 23, §6º, da lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições), no sentido de que “fraudes ou erros cometidos pelo doador sem conhecimento dos candidatos, partidos ou coligações não ensejarão a responsabilidade destes nem a rejeição de suas contas eleitorais”.

Sobre o afastamento da responsabilidade objetiva dos candidatos e partidos em casos de fraudes e erros nas doações coletivas, convém destacar as palavras de RAMAYANA:

“A fraude eleitoral serve para fundamentar a ação de impugnação ao mandato eletivo com subsunção no art. 14, §§ 10 e 11, da Carta Política, mas se porventura centenas de doações forem originárias de pessoas fictícias, não se pode, em pródomo, afastar a responsabilidade do candidato beneficiado pelo valor expressivo dessas doações. Nesse ponto, o caso demanda rigorosa investigação do abuso do poder econômico que deve ser impulsionado pela ação de investigação judicial eleitoral, art. 22 da LC n. 64/1990, e até mesmo na esfera penal, considerando os crimes dos arts. 299 e 350 do Código Eleitoral (corrupção eleitoral e falsidade ideológica eleitoral)”. (Ramayama, 2019, p.

598).

Por fim, pontua-se que caberá à entidade arrecadadora realizar o repasse ao candidato, mediante crédito em sua conta bancária de campanha, com identificação dos doadores.

FUNDO PARTIDÁRIO – O fundo partidário tem por finalidade garantir a existência e funcionamento dos partidos políticos, verdadeiros instrumentos da democracia. Nas palavras de Paulo Hamilton Siqueira Junior e Marisa Amaro dos Reis:

“Os recursos destinam-se às atividades partidárias, em anos eleitorais ou não, para projetar, divulgar, levar adiante seus programas e foi introduzido primeiramente em 1965, pela Lei 4.740/65. Atualmente está previsto e encontra regulamentação na Lei dos Partidos Políticos nos arts. 38 a 44”. (Siqueira Jr., 2016, p. 79)

O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), previsto no art. 38 da lei 9.096/95 é constituído por:

I – multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas;

II – recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual;

III – observadas as proibições contidas no art. 31 da lei 9.096/95, doações de pessoa física ou jurídica, efetuadas por intermédio de depósitos bancários diretamente na conta do Fundo Partidário;

IV – dotações orçamentárias da União em valor nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995. (Brasil, 1995).

Importante destacar que a distribuição do Fundo Partidário observa o desempenho dos partidos políticos nas últimas eleições, isto é, a denominada cláusula de barreira e desempenho. Conforme preceitua o art. 41 da lei 9.096/95, 5% do total do fundo partidário serão distribuídos, em partes iguais, a todos os partidos políticos, ao passo que os 95% remanescentes serão distribuídos aos partidos, na proporção dos votos obtidos nas últimas eleições.

Pontua-se que a lei das eleições, em seu art. 73, §9º, estabelece, de maneira prudente, que os partidos políticos que originaram as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral sejam excluídos da distribuição de tal receita.

Os valores recebidos pelos partidos do fundo partidário podem ser aplicados no financiamento de campanhas eleitorais e propaganda política, mas, nos termos do art. 44 da lei dos partidos políticos, não podem ser gastos sem qualquer critério, pois, à evidência, existe certa destinação vinculada dos recursos. Em relação à destinação dos recursos oriundos do Fundo Partidário, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves assevera o seguinte:

“Os recursos vindos do Fundo Partidário não podem ser gastos livremente. Cinco por cento deles devem, necessariamente, ser utilizados na promoção da participação política feminina, sob pena de acréscimo, no ano seguinte, de um percentual adicional de 2,5%. Vinte por cento devem ser gastos na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política. Por outro lado, não se permite ao órgão partidário nacional gastar mais do que cinquenta por cento dos valores para pagamento de pessoal (60%, se órgão estadual), art. 44, I, da Lei dos Partidos Políticos”. (Gonçalves, 2018, p. 105)

Registra-se ser lícita a utilização do fundo partidário para pagamento de outras despesas, tais como honorários de contador, de advogado e multas eleitorais por infrações cometidas por candidatos.

Questão interessante diz respeito à participação das novas legendas ao fundo partidário, em especial aquelas que, recém-criadas, ainda não tiveram a oportunidade de participar de qualquer disputa eleitoral, mas que, com sua criação, receberam a inscrição de filiados que foram eleitos ou obtiveram votação expressiva nas últimas eleições.

Sobre essa questão, convém destacar as palavras de Paulo Hamilton Siqueira Jr e Marisa Amaro dos Reis:

“A legislação permite aos partidos participarem do rateio dos 95% (noventa e cinco por cento) dos recursos do fundo partidário, de acordo com a votação obtida na última eleição, mesmo que não tenham elegido representantes para a Câmara dos Deputados. Entretanto, a respeito das novas agremiações, que ainda não foram submetidas ao crivo popular nas urnas, a Lei n. 9.096/1995 é omissa.

O Tribunal Superior Eleitoral firmou, por maioria de votos, importante precedente ao julgar a petição de partido criado após as eleições gerais. No acórdão, ficou decidido que a participação do partido no rateio de 95% do fundo partidário teria por base os votos dados aos candidatos, eleitos ou não, que, concorrendo para a Câmara em 2010 por outra agremiação, tenha mudado de partido diretamente para a nova legenda, no prazo de trinta dias do registro no Tribunal. No mesmo julgado, assegurou a participação na divisão dos noventa e cinco por cento (art. 41-A, Lei n. 9.096/1995) dos recursos a partir do julgamento, ou seja, a partir do mês de julho de 2012.

Um dos fundamentos da decisão foi o reconhecimento da alegada urgência do partido em receber as verbas para uso nas campanhas eleitorais, mas, principalmente, que foi deferida pelo mesmo tribunal a sua participação na propaganda eleitoral gratuita”. (Siqueira Jr., 2016, 82- 83)

Em tramitação no Congresso Nacional quando do encerramento deste artigo, o projeto de lei complementar 112/21, que, na essência, consolida toda legislação eleitoral e cria espécie de novo código eleitoral, altera regras de distribuição e aumenta as hipóteses de utilização do fundo partidário.

Por fim, nunca demais lembrar, no sistema misto de financiamento adotado pelo Brasil, o fundo partidário integra a parte dos recursos de natureza pública.

FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – Após a proibição de doações por pessoas jurídicas, as campanhas eleitorais ganharam uma nova fonte de financiamento público. Depois de muito debate no congresso e pressão popular, em 2017, por força da lei 13.487, foi instituído o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), constituído por dotações orçamentárias da União em ano eleitoral, definido pelo Tribunal Superior Eleitoral a cada ano eleitoral com base nos parâmetros definidos em lei e, ainda, em valor equivalente “ao percentual do montante total dos recursos da reserva específica a programações decorrentes de emendas de bancada estadual impositiva, que será encaminhado no projeto de lei orçamentária anual” (Brasil, 1997).

Para ter acesso ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o partido político deverá informar à Justiça Eleitoral o critério de distribuição dos recursos a serem recebidos, devidamente aprovado por sua executiva nacional e divulgado publicamente. Os recursos não utilizados pelo partido deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional na oportunidade da prestação de contas.

O candidato que optar por receber recursos do FEFC formulará requerimento por escrito ao órgão competente do partido.

Apesar de privilegiar a autonomia dos partidos, muito se critica a definição do legislador de deixar à livre conveniência da executiva nacional a distribuição dos recursos recebidos pelo FEFC. Isso porque, na esmagadora maioria dos casos, os denominados “caciques” dos partidos políticos serão os mais beneficiados, situação que viola a isonomia entre os candidatos na disputa eleitoral e, de certa forma, privilegia a perpetuação dos mais antigos no poder (RAMAYAMA, 2019).

A distribuição do FEFC é feita da seguinte forma: 1) 2% divididos igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no TSE; 2) 35% divididos entre os partidos que tenham pelo menos um representante na câmara dos deputados, na proporção do percentual de votos por eles obtidos na última eleição geral para a câmara dos deputados; 3) 48% divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes na câmara dos deputados, consideradas as legendas dos titulares; 4) 15% divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no senado Federal, consideradas as legendas dos titulares (Brasil, 1997).

O parâmetro de divisão proposto pelo legislador foi alvo de duras críticas de juristas, pois, apesar da semelhança que o FEFC possui com o Fundo Partidário, não houve simetria no critério de distribuição dos recursos. A maior crítica reside no percentual de 15% reservado aos partidos que possuem representantes no Senado Federal, que, nas palavras de Marcos Ramayana, é de constitucionalidade duvidosa:

“Impende ainda frisar que os recursos do FEFC, segundo critérios definidos pela Lei nº 13.488/17 e elencados no art. 16-D da Lei nº 9.504/1997, são divididos, curiosamente, em proporções que violam uma tradição da divisão do Fundo Partidário, porque considera, por exemplo, o percentual de 15% (quinze por cento) de representantes do Senado Federal.

Nesse aspecto, restará evidente uma quebra com a proporção dos representantes da Câmara dos Deputados, até porque o número de representantes do Senado Federal jamais serviu de parâmetro para se calcular valores do fundo partidário e do tempo de rádio e televisão, critério que terá, possivelmente, sua constitucionalidade questionada”. (Ramayana, 2019, p. 155)

Outro ponto que tem sua constitucionalidade questionada por juristas é a compensação fiscal com propaganda partidária gratuita no rádio e na televisão, já que a transferência de recursos que envolve matéria tributária e orçamentária é de iniciativa do Presidente da República, vício que não se convalesce com a sanção (RAMAYAMA, 2019).

Pontua-se que o parâmetro de distribuição relacionado à quantidade de representantes na câmara dos deputados deve considerar o número de deputados eleitos na última eleição geral, “ressalvados os casos dos detentores de mandato que migraram em razão de o partido pelo qual foram eleitos não ter cumprido os requisitos previstos no § 3º do art. 17 da Constituição Federal (Lei nº 9.504/1997, art. 16-D, § 3º)”.

Já em relação ao criticado parâmetro de divisão que leva em consideração a quantidade de representantes no senado federal, deve-se levar em conta o número de senadores eleitos pelo partido na última eleição geral, inclusive “os senadores filiados ao partido que, na data da última eleição geral, encontravam-se no 1º (primeiro) quadriênio de seus mandatos”. De se ressaltar que o projeto de lei complementar 112/21 também altera os critérios de distribuição do FEFC, privilegiando a contagem de votos obtidos por mulheres, negros e indígenas (contagem em dobro).

Por fim, a distribuição dos recursos oriundos do FEFC, a executiva nacional do partido deverá observar aplicação proporcional ao número de candidatas, respeitado o percentual mínimo de 30%. Em outras palavras, com o intuito de fomentar a participação das mulheres na política do país, ao menos em relação aos recursos do FEFC, o legislador impôs aos partidos políticos investimento mínimo nas candidaturas femininas.

FONTES VEDADAS DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA

Conforme o próprio nome induz, as fontes vedadas de arrecadação estão diretamente relacionadas ao que é vedado, aquilo que é proibido pela legislação. A lei proíbe expressamente ao candidato e ao partido político receberem recursos de determinadas fontes, seja para garantir a lisura do processo eleitoral ou a isonomia entre os candidatos.

Nos termos do art. 24 da lei 9.504/97, são fontes vedadas de arrecadação de recursos aos candidatos e partidos políticos:

I – entidade ou governo estrangeiro;

II – órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público;

III – concessionário ou permissionário de serviço público;

IV – entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal;

V – entidade de utilidade pública;

VI – entidade de classe ou sindical;

VII – pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior.

VIII – entidades beneficentes e religiosas

IX – entidades esportivas;

X – organizações não-governamentais que recebam recursos públicos;

XI – organizações da sociedade civil de interesse público. (Brasil, 1997).

A bem da verdade, a partir de 2015, com a proibição de doação por parte de pessoas jurídicas pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4.650 ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil, o rol previsto no art. 24 da lei 9.504/97 virou letra morta. Bastaria a substituição do rol ali previsto para a proibição de doação por pessoa jurídica.

Portanto, em resumo, podemos pontuar como fontes vedadas as doações provenientes: a) toda e qualquer pessoa jurídica; b) pessoas físicas com atividade profissional ligada a concessões ou permissões públicas; c) origem estrangeira.

Caso o candidato ou partido político recebam doações de fontes vedadas deverão providenciar a devolução ao doador, no prazo legal, comprovando por meio idôneo a devolução. O recebimento de recursos de fontes vedadas pode configurar abuso do poder econômico, a ser apurado por instrumento processual próprio, com possibilidade de cassação do registro de candidatura, do diploma ou do mandato e, ainda, impor inelegibilidade (RAMAYANA, 2019).

GASTOS ELEITORAIS E SEUS LIMITES

Ultrapassada a etapa do registro da candidatura, inscrição do CNPJ de campanha, abertura de conta bancária da campanha e arrecadação de recursos, o candidato a cargo eletivo poderá enfim investir na disputada corrida eleitoral. Todavia, ao contrário do que muitos pensam, não há total liberdade na utilização do dinheiro arrecadado; os candidatos precisam estar atentos aos gastos eleitorais e, principalmente, aos limites impostos pela legislação, sob pena de responderem por abuso do poder econômico.

O art. 26 da lei n. 9.504/97 enumera o que são considerados gastos eleitorais e estabelece os seus limites. O mesmo dispositvo legal exclui de tal lista os gastos com combustível e manutenção do veículo utilizado pelo candidato durante a campanha; a remuneração do motorista do candidato, sua alimentação e hospedagem; alimentação e hospedagem do próprio candidato; e, ainda, a utilização de até três linhas telefônicas cadastradas em nome do candidato.

A partir dos limites de gastos impostos pelo legislador, houve certa preocupação relacionada à contratação de advogados e contadores para atuação nas campanhas eleitorais e defesa dos candidatos e partidos em processos judiciais. É que na grande maioria dos casos a limitação de gastos poderia afetar o exercício de uma defesa eficiente em juízo, com a impossibilidade de contratação de bons profissionais.

Diante de tal impasse, a lei n. 13.877/2019 conferiu nova redação ao §4º do art. 26 da lei das eleições para dispor que, apesar de serem considerados gastos de campanha, os valores desembolsados com a contratação de advogados e contadores para prestação de serviços durante a campanha não serão contabilizados para efeitos de limite de gastos.

Mais do que isso, apesar de não serem contabilizados para efeitos do limite de gastos, os honorários advocatícios e contábeis podem ser custeados a partir dos recursos de campanha, do próprio candidato, do Fundo Partidário e do FEFC.

Quanto à responsabilidade dos gastos de campanha, convém destacar as palavras de Marcos Ramayana:

“O art. 21 da lei 9.504/1997 trata da responsabilidade solidária entre o candidato e a pessoa indicada para a administração financeira da campanha (tesoureiro), que não será obrigatoriamente o contador que presta serviços profissionais de forma autônoma.

Todavia, ‘o candidato e o profissional de contabilidade responsável deverão assinar a prestação de contas, sendo obrigatória a constituição de advogado’, art. 33, §º, da Res. TSE nº 23.406/2014. E ainda, art. 41, §6º, da Resolução TSE nº 23.463/2015.

No caso de falecimento do candidato a responsabilidade é repassada ao administrador financeiro ou membro da direção partidária e até mesmo a ausência de movimentação financeira não isenta o candidato de prestar contas na Justiça Eleitoral”. (Ramayama, 2019, p. 603)

Sobre o limite total de gastos, a lei n. 13.877/19, que inseriu o art. 18-C na lei das eleições, determina que os gastos para os cargos de prefeitos e vereadores, nas respectivas circunscrições, terão como parâmetro o limite imposto para as eleições de 2016, devidamente corrigido pelo IPCA (Indice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).

A atualização dos valores terá como termo inicial o dia 20 de junho de 2016 e final o dia 20 de junho de 2020. Os valores correspondentes aos limites de gastos serão publicados por ato do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral até o dia 20 de julho do ano eleitoral.

Por sua vez, o limite total de gatos de campanha para os cargos de Presidente da República, Governador, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e Deputado Distrital foram fixados nas disposições transitórias da lei 13.488/17, que promoveu a minirreforma eleitoral. Em números, segundo referida norma, nas eleições de 2018, os candidatos à Presidência da República poderiam gastar até R$ 70.000.000,00 (setenta milhões de reais) no primeiro turno e R$ 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de reais) na hipótese de segundo turno; os candidatos aos cargos de Governador de Estado, do Distrito Federal e Senador tiveram os gastos limitados a partir da quantidade de eleitores de cada unidade da federação; os candidatos ao cargo de Deputado Federal tiveram os gastos limitados à quantia de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais); por fim, os candidatos aos cargos de Deputado Estadual e Distrital tiveram os gastos limitados à quantia de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Pontua-se que do valor total dos gastos, os custos com alimentação do pessoal que presta serviço na campanha não poderá ultrapassar o percentual de 10%. Já em relação ao custo com aluguel de veículos esse percentual não poderá exceder 20% dos gastos total de campanha.

Os gastos de campanha devem ser realizados através de cheque nominal ou transferências da conta bancária de campanha do candidato. A extrapolação dos limites de gastos impostos pela lei sujeita o infrator a uma multa de 100% da quantia excedente, sem prejuízo de eventual apuração ligada a abuso do poder econômico.

Eventuais sobras de recursos financeiros da campanha deverão ser devolvidas conforme sua origem. Assim, sobras oriundas do Fundo Partidário deverão ser depositadas na conta bancária do partido político, criada especificamente para movimentação de tal recurso; as sobras relacionadas ao FEFC deverão ser recolhidas ao Tesouro Nacional por intermédio de guia de recolhimento da união (GRU) no momento da prestação de contas; por fim, as sobras financeiras relacionadas a outras fontes de arrecadação deverão ser transferidas à conta bancária do partido político destinada à movimentação de outros recursos.

CAPTAÇÃO OU GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS

DA REPRESENTAÇÃO JUDICIAL – A lei n. 9.504/97 faz previsão de instrumento jurídico próprio destinado à apuração de captação ou gastos ilícitos de recursos em campanha eleitoral. A denominada representação judicial está prevista no art. 30-A e possui as seguintes definições básicas, que, por serem pertinentes, convém reproduzir.

Art. 30-A: Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

  • 1o Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.
  • 2o Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.
  • 3o O prazo de recurso contra decisões proferidas em representações propostas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Brasil, 1997).

O dispositivo legal foi acrescido à legislação eleitoral pela Lei n. 11.300/2006 e em seguida alterado pela Lei n. 12.034/2009. É resultado de uma minirreforma eleitoral que teve como mola propulsora o escândalo de corrupção ocorrido em 2005, conhecido como “mensalão”. Nas palavras de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves:

“Esta representação destina-se a suprir a lacuna sancionatória que caracteriza o procedimento de exame de contas de candidatos. Ainda que as contas venham a ser rejeitadas por irregularidades graves relativas à arrecadação ou aos gastos, a decisão contenta-se com o efeito declaratório de aprovação ou rejeição. Mesmo a devolução de valores tidos como indevidos não é condicionada à rejeição das contas. A tentativa jurisprudencial de obstar a certidão de quitação eleitoral no caso de rejeição das contas foi infirmada pela redação do art. 11, §7º, da Lei 9.504/97 dada pela lei n. 12.034/2009. A lei n. 11.330/2006 trouxe a previsão do art. 30-A, falhando, todavia, nas sanções que indicou, que se restringem à negativa do diploma ou sua cassação. Candidatos que, embora tenham malferido as regras de captação ou gastos eleitorais ficam de fora da abrangência dessa norma. A fixação alternativa de uma multa teria sido de ótimo proveito”. (Gonçalves, 2018, p. 207)

Por fim, pontua-se que a rejeição das contas não implicará necessariamente na propositura da representação judicial previsto no art. 30-A da lei 9.504/97, pois, como visto, o acolhimento da referida ação implica na cassação do registro ou do diploma e, por isso mesmo, exige gravidade do ato. Todavia, por proteger a moralidade das eleições, na análise da gravidade, pouco importa se a captação ou gasto ilícito tem ou não potencialidade lesiva de influir no resultado das eleições.

Apesar do artigo 30-A da Lei n. 9.057/97 conferir legitimidade ativa apenas aos partidos políticos e coligações, há um consenso de que o Ministério Público, por força da própria Constituição Federal, também possui interesse e legitimidade para o ajuizamento da representação judicial de captação e gastos ilícitos de recursos, que observará, no que couber, o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar 64/90, constituindo efeitos diretos da procedência a cassação do diploma ou do mandato.

REPRESENTAÇÃO POR DOAÇÕES ELEITORAIS ACIMA DO LIMITE

Apesar da autorização legal de doação por pessoas físicas, o legislador impôs limites para contribuições às campanhas eleitorais com a finalidade de evitar abuso do poder econômico. Nos termos do art. 23 da lei n. 9.504/97:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta lei.

  • 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.
  • 2o As doações estimáveis em dinheiro a candidato específico, comitê ou partido deverão ser feitas mediante recibo, assinado pelo doador, exceto na hipótese prevista no § 6o do art. 28.
  • 2º-A. O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer.
  • 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso. (Brasil, 1997).

A lei n. 13.878/2019 incluiu o §10º ao art. 23 da lei n. 9.504/97, que trata da exclusão do pagamento de honorários advocatícios e contábeis para aferição do limite de doação. Segundo o referido dispositivo legal, as pessoas físicas, o candidato e os partidos podem efetuar o pagamento dos referidos honorários, sem que isso constitua doação eleitoral ou sirva de parâmetro para o limite previsto no §1º.

Os rendimentos brutos auferidos pelo doador são aqueles por ele declarados à receita federal no ano anterior à eleição. Em caso de doador isento, admite-se o limite de isenção considerado pela receita federal como base para aferição do limite de doação, desde que não haja fraude.

Nos termos do §7º, art. 23, lei n. 9.504/97, as doações estimáveis em dinheiro, tais como a permissão de uso de móveis e imóveis por candidato em sua campanha, possuem limite diverso dos rendimentos brutos informados pelo doador à receita federal. Para esse tipo de doação, o legislador entendeu por bem fixar um limite nominal, de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), independente da força financeira do doador.

Ao contrário da ampla maioria das ações eleitorais, a representação contra os doadores é de titularidade exclusiva do Ministério Público Eleitoral. Todavia, nada impede que os candidatos, partidos ou cidadãos, percebendo irregularidades em doações realizadas durante a campanha, comuniquem o Ministério Público para que adote as providências necessárias, situação difícil de ocorrer na prática em razão da necessidade de informações protegidas pelo sigilo fiscal (declaração de renda).

O prazo para o ajuizamento da representação é até o último dia do exercício financeiro seguinte ao da eleição. Em outras palavras, o prazo limite é o dia 31 de dezembro do ano seguinte ao da eleição.

Por fim, observadas certas peculiaridades, o procedimento aplicado à representação por doação eleitoral acima do limite permitido observa o art. 22 da lei complementar 64/90, tendo como efeitos da condenação a aplicação de multa ao doador no importe de 100% sobre o valor excedido, bem como possível inelegibilidade por 08 anos, conforme previsão contida no art. 1º, inc. I, alínea “p”, da lei complementar n. 64/90.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A campanha eleitoral figura como importante etapa do processo de escolha dos representantes do povo, responsáveis por conduzir o rumo da nação. Pela dimensão territorial do nosso país e também pelas nuances que envolvem toda e qualquer disputa – dentre elas a divulgação das propostas e projetos políticos –, não há como imaginar a realização de campanhas eleitorais sem qualquer gasto.

Apesar de refletir maior engajamento dos eleitores, o financiamento exclusivamente privado desprestigia a isonomia entre os candidatos e favorece conchavos escusos para atender interesses privados de grandes empresários. Por outro lado, o financiamento exclusivamente público beira à imoralidade e reflete verdadeiro descaso com o dinheiro do contribuinte, que sente na pele a falta de investimentos nas áreas da saúde, educação, segurança e saneamento básico.

O modelo misto, com arrecadação de origem pública e privada, adotado no Brasil e também na ampla maioria dos países democráticos, permite maior controle dos gastos nas campanhas eleitorais e, de certa forma, favorece a igualdade de condições entre os candidatos. No Brasil, após proibição de doações partidas de pessoas jurídicas, pode-se dizer que a ampla maioria das campanhas eleitorais são financiadas com dinheiro público, decorrente do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Em 2020, ano eleitoral no Brasil, o mundo foi surpreendido com a pandemia causada pela COVID-19, também conhecida como “novo corona-vírus”. O desespero tomou conta da população, que, sem alternativa, suplicou ao Estado investimentos para manutenção de empregos e garantia de renda aos informais, bem como criação de novos leitos em hospitais. Concomitante a todos esses acontecimentos que não têm precedentes na história recente, o Congresso Nacional, mesmo podendo adotar postura diversa, manteve os mais de 2 (dois) bilhões de reais do FEFC às eleições municipais, preterindo investimentos que salvariam vidas e empregos.

No ano de 2021, em momento que as consequências da pandemia revelaram-se devastadoras, o Congresso Nacional aprovou orçamento de 5,7 bilhões de reais para o Fundo Eleitoral, quase o triplo do gasto aprovado para 2020.

A pandemia demonstrou que o novo modelo de financiamento deve ser repensado para que se tenha menos dinheiro público e mais investimento privado a partir do engajamento dos eleitores (vaquinhas e eventos de arrecadação).

Após toda pesquisa realizada, consideramos ideal um modelo que permita maior contribuição de recurso privado, com exclusão de grupos empresariais que mantêm contrato ou pretendem contratar com o poder público. Os processos de contratação com o serviço Público passariam a exigir do contratado uma espécie de “certidão negativa de doação eleitoral” da empresa interessada na concorrência pública.

Por representar verdadeiro apoio político e, por isso mesmo, uma forma de expressão do pensamento, a doação deve estar intimamente ligada à ideologia política do donatário, seja ele o candidato ou o partido político. Por essa razão, no modelo aqui idealizado, doações realizadas por pessoas jurídicas ou físicas não poderiam contemplar candidatos de partidos diferentes.

O aparelhamento das instituições responsáveis pela fiscalização da lisura das eleições tem se fortalecido a cada ano, permitindo, com isso, uma atuação mais eficiente na apuração de irregularidades. Portanto, com regras bem definidas, voltadas ao combate de doações espúrias, um modelo que dê maior ênfase à doação privada privilegia o engajamento da população ao processo eleitoral e, ao mesmo tempo, cria certo fôlego aos cofres públicos e permite mais investimentos em saúde, segurança e educação.

Apesar de reconhecer a dificuldade de um “afrouxamento” das regras de doações privadas no Brasil nesse momento, mantemos a opinião de que um modelo misto de financiamento de campanha, com maior destaque ao financiamento privado, privilegia a liberdade de expressão e permite maior engajamento do eleitor à plataforma política do partido e do candidato.

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Artigo publicado originalmente na 9ª edição (vol. 5, n. 2, jul./dez. 2021) da Revista Eletrônica de Direito Eleitoral e Sistema Político – REDESP, publicação semestral da Escola Judiciária Eleitoral Paulista, que tem por linha editorial a análise de temas do direito eleitoral, direito processual eleitoral, direito partidário e sistemas políticos.

CLIQUE NO LINK ABAXO e acesse o artigo original no portal do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), com referências bibliográficas e outras informações técnicas:

https://apps.tre-sp.jus.br/ojs/index.php/revistaEJEP/article/view/197

 

 

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* JONATHAS CAMPOS PALMEIRA é advogado, especialista em: direito penal e processual penal pela FMU-SP; direito processual civil pela PUC-SP; direito e processo eleitoral pela EJEP (TRE-SP); e membro da comissão de direito eleitoral da 17ª Subseção da OAB/SP.

E-mail para contato: jprpalmeira@hotmail.com